Jean-Michel Vives*

Foi o psiquiatra suíço Eugen Bleuler que, em 1911, cunhou o termo “autismo”, definindo-o como um estado extremo de retração do sujeito para dentro de si próprio. Essa palavra foi formada a partir do vocábulo grego “autos” (si mesmo). Em 1943/1944, o pedopsiquiatra estadunidense Leo Kanner e o psiquiatra austríaco Hans Asperger descreveram, independentemente um do outro, formas de existência qualificadas como “autísticas”, que, na clínica, se expressam de maneiras diversas.  A partir daí, o espectro de transtornos autísticos se revelou amplo, e nele encontramos diferentes sintomas, os quais aparecem sobretudo no campo do desenvolvimento da linguagem (verbal e não verbal), das interações sociais (particularmente no nível do contato ocular, das expressões faciais e da gestualidade) e das atividades e interesses específicos (“ilha de competência”, retomando a bela expressão do psicanalista Jean-Claude Maleval, na qual o autista pode se destacar – música, programação informática, conhecimento de astronomia… -, mas que, em contrapartida, pode isolá-lo).

A representação mais comum da criança autista entre o grande público é aquela de um ser mudo se batendo contra a parede, com gestos estereotipados e dotado de linguagem rudimentar, cujo desenvolvimento inexoravelmente a conduziria, na idade adulta, a ser alguém dependente e deficiente. Mesmo que possa causar deficiência – os autistas que decidiram testemunhar suas vivências compartilham com regularidade a dor associada à diferença de funcionamento notada no cotidiano -, o autismo não deve ser considerado como tal, mas como uma forma de existência, uma organização psíquica atípica que interroga os neurotípicos – neologismo criado por pessoas autistas para qualificar aqueles que não o são – que somos. Apesar dessas dificuldades, constatamos que um bom número de crianças chega à idade adulta com inserção social satisfatória, até mesmo brilhante, quando não foram impedidas de desenvolver suas capacidades, isto é, quando suas especificidades foram levadas em consideração e o desejo de normalizá-las não obstruiu o encontro de uma solução singular.

Considerar a criança autista como deficiente não favorece o encontro dessa solução, que só pode ser construída “sob medida” e elaborada com a própria criança. É isso que Isabelle Orrado e eu, em nosso livro “Autismo e mediação”, chamamos de “bricolagem”. Levar em consideração o interesse específico da criança se torna, assim, essencial. Não propomos um protocolo de tratamento aplicável a todos os pacientes. Ao contrário: convidamos terapeutas que intervêm no campo do autismo a inventar uma solução para cada um. Solução que, baseada na singularidade de uma escolha, abre a possibilidade de um encontro.

A origem do autismo permanece desconhecida até hoje, mas qualquer que ela seja, uma coisa está clara para nós daqui em diante: um cuidado terapêutico adaptado pode orientar a evolução deste de maneira decisiva. É apoiando-se nas competências do paciente que obtemos os melhores resultados, isto é, os ganhos em independência e uma possibilidade de se mover pelo mundo e entre os outros. Como propunha Lacan, e essa diretriz é essencial no caso do autismo: “É certo que nossa justificação, assim como nosso dever, é melhorar a situação do sujeito”[1]. Não se trata, portanto, de curar ou anular os sintomas, mas de melhorar a situação do sujeito, para que seu modo de existência encontre uma expressão que não seja fonte de sofrimento. Que o Dia Mundial de Conscientização do Autismo nos sirva para lembrar que devemos nos colocar à escuta do sujeito autista.

* Psicanalista e professor de Psicopatologia Clínica na Universidade Côte d’Azur (França). É membro do movimento Insistance em Paris e do Corpo Freudiano-RJ (Brasil). No Brasil, publicou A voz no divã, A voz na clínica psicanalítica e Variações psicanalíticas sobre a voz e a pulsão invocante.

[1] LACAN, J. (1962-1963) O seminário, livro 10: a angústia. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2005, p. 67, aula de 12 de dezembro de 1962.