Por Fernanda Zacharewicz[1]

Terminamos mais uma semana na qual lembramos e reavivamos a luta pelos direitos das mulheres. Há atualmente uma resistência em dizer que comemoramos o Dia internacional da Mulher. Comemorar e seguir lutando, defendo que essas duas posições podem andar juntas.

Devemos lembrar da luta das sufragistas — afinal, o voto feminino foi conquistado a duras penas. Hoje a mulher pode votar e ser votada. Nosso país é um dos poucos que teve uma mulher no mais alto cargo do governo. Esse feito precisa ser lembrado e comemorado. Porém, sabemos como Dilma Rousseff foi arrancada daí em um golpe que concatenava interesses estrangeiros, políticos corruptos com a misoginia mais profunda da humanidade. Isso há que ser permanentemente denunciado e combatido.

Por mais que queiram extirpar da História, tivemos uma presidenta. Nós, mulheres, na pessoa de Dilma Rousseff, pudemos ocupar esse lugar. Todos os lugares estão aí para serem ocupados. Quando nos afastamos da disputa sobre eles, ratificamos que sejam ocupados somente por aqueles que sempre estiveram aí.

Esta semana, as duas edições do PSI (a de terça-feira, dedicada aos eventos de psicanálise, e a de sexta-feira, aos eventos culturais) foram elaboradas somente com atividades protagonizadas por mulheres. Trabalhamos fortemente pela psicanálise em intensão e extensão; nossa produção é parte fundamental da cultura de nosso país. Mas nem sempre ocupamos os devidos espaços.

Ouvi de duas mulheres — uma ativista de esquerda e outra de direita — a expressão “ela trabalha para os seus alfinetes”[2], referindo-se ao ganho advindo da atividade profissional realizada por uma mulher casada. Essa comunhão dos dois discursos chamou minha atenção e entristeceu-me. Nela estavam contidos elementos que merecem ser elencados: o primeiro, a mulher não ganha o suficiente para o seu sustento; o segundo, seu marido a sustenta de forma tal que não necessita preocupar-se com seu ganha-pão.

Essa segunda interpretação da expressão parece-me especialmente cruel pois traz em si um elogio à posição da mulher casada em posição de dependência. Pior, enaltece o papel do homem como que deve prover a segurança financeira da mulher. Ainda, busca negar a possibilidade de satisfação da mulher no campo profissional. Mulher satisfeita é mulher sustentada pelo marido, com pouco a se preocupar com os assuntos da vida pública. O que as que repetiram a expressão compartilhavam, ao dizer a mesma frase, é que o locus da mulher é o mundo privado.

Há que ocupar o mundo público. Para isso, temos de lutar por estruturas educacionais que reforcem que o cuidado com a prole é, a princípio, tarefa da parentalidade. Mas, sobretudo, é encargo de toda a nação. É preciso construir, enquanto sociedade, os meios necessários para que todas as que se reconheçam como mulheres não sejam relegadas ao mundo doméstico, à infantilização. Há que respeitá-las enquanto sujeito em pleno exercício de suas capacidades. Quais capacidades? As que cada uma de nós escolhermos viver.

Poucas são as publicações em psicanálise escritas por mulheres, minoria ainda é o lugar ocupado por elas nas produções culturais em nosso país. Porém, nossa participação vem aumentando nos dois âmbitos. Isso trará consequências. Podemos — já e pouco a pouco — colher os frutos, essa é razão de comemoração. Como produto dessa ocupação encontra-se também a resistência, ferida aberta do machismo que, pelo uso da violência, segura com as mãos em carne viva a corda que o mantém no poder. Aqui não há o que comemorar, e sim, preparar-se para a guerra. Cada uma de nós deve escolher sua arma.

Finalizo esse texto, com um trecho da música Don’t Fence me In, de Ella Fitzgerald e Buddy Bergman:

Widcat kelly, back again in town

Was standing by his sweetheart’s side

And whan his sweetheart said “come on, let’s settle down”

Wildcat raised his hear and cried

Oh, give me land, lots of land under starry skies above

Dont’f fence me in.

Deixo o link para animar esse fim de mais uma semana de luta:

https://music.youtube.com/watch?v=wb2btcJmy58&list=RDAMVMwb2btcJmy58

 

[1] Psicanalista, editora da Aller.

[2] Essa expressão deriva do Código Civil português de 1867, em seu artigo 1104: “A mulher não pode privar o marido, por convenção antenupcial, da administração dos bens do casal; mas pode reservar para si o direito de receber, a título de alfinetes, uma parte do rendimento dos seus bens, e dispor dela livremente, contanto que não exceda a terça dos ditos rendimentos líquidos.” Disponível em: https://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1664.pdf, consultado em 11/3/2022.