Carla Rodrigues*

Andie MacDowell está espetacular como Paula, mãe de Alex, protagonista da série Maid (Netflix), cujo tema central é a violência doméstica contra as mulheres e suas consequências. Seu comportamento errático e ao mesmo tempo repetitivo de uma mulher que envelheceu, mas não amadureceu, é uma incrível combinação entre a necessidade de agradar os homens (e para isso viver no campo do imaginário) e a impossibilidade de comprometer-se com si mesma (e por isso escapar a todo custo de qualquer campo simbólico).

Como artista plástica, ela um dia atende ao pedido da filha e pinta a parede do quarto de Maddy, sua neta. Ali onde o simbólico poderia se instalar, Paula faz a pintura e desaparece, como se não fosse a autora da obra, um singelo e ingênuo desenho infantil (ah, o real, quem quer saber do real…). Seu fracasso como mãe de vez em quando a faz acreditar que a redenção virá com seu papel de avó. Mas não há redenção possível para quem está instalada, irredutível, no imaginário.

De todas as violências psicológicas das quais Alex é alvo, a mim parece que o desamparo da mãe é a mais devastadora, profunda e determinante, seja para o sofrimento, seja para a sua decisão de romper com o ciclo de dor que ali se apresenta. Não por acaso, a mulher que decide ajudá-la, uma advogada, está tentando descobrir o que é ser mãe. É quando Alex dá a ela algumas pistas – amenizando o sofrimento inerente ao mistério da maternidade – que a advogada cria empatia com a dor da jovem mãe de Maddy.

Embora tenha se notabilizado como uma história sobre violência doméstica – com ênfase na violência psicológica invisível –, a série também pode ser vista como uma história sobre o enigma da maternidade. Há até um professor ensinando a mães em total situação de desamparo que as crianças precisam de estabilidade…

Ao contrário de Freud, que disse que as mulheres só se realizam na maternidade, talvez seja possível ver Maid como uma série em que as mulheres guardam para si o enigma do que é ser mãe. E tornam-se mais livres quando podem compartilhar esse segredo indecifrável.

Todos os personagens estão ou estiveram na merda: pai, marido e sogra alcoólatras. E deles Alex está tentando se afastar para não repetir, na filha, o mesmo destino. Da mãe, no entanto, Alex parece não poder se desvencilhar. Paula tem um jeito especial de estar no mundo, porque, quanto mais tudo desmorona em torno dela, mais ela recorre à alienação. Ao longo da série, vai se montando uma oposição entre Paula e Alex: para sobreviver à mãe alienada, Alex vai se tornando cada vez mais responsável, inclusive pela mãe.

No entanto, embora pareça redentora em diversos aspectos, a série parece querer demonstrar que, agindo por amor à filha, Alex conseguirá escapar do roteiro de repetição de dor e sofrimento, pois o enredo contribui para responsabilizar as mães pelo trágico destino de suas filhas. Inventar outros caminhos de análise para a devastação das mulheres, eis uma tarefa incompleta.

* É filósofa, escritora e tradutora. É professora de Ética no Departamento de Filosofia da UFRJ e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Filosofia na mesma instituição. Coordena o laboratório Filosofias do Tempo do Agora, onde realiza pesquisa na intersecção entre Filosofia e Psicanálise.