Por Fernanda Zacharewicz*

O mês de agosto, no qual é comemorado o Dia Internacional da Igualdade Feminina, trouxe as notícias do horror iminente a que as mulheres afegãs correm o risco de estarem submetidas com a chegada do Talibã ao poder local. Inúmeras foram as declarações de indignação. A imensa maioria delas justificada e sensata. Mas me peguei pensando: será que, ao olhar para fora, não esquecemos que nós, mulheres, ocupamos uma posição frágil no que tange à garantia de igualdade de direitos aqui mesmo, no Brasil?

Em 2016, por ocasião do golpe que nossa democracia sofreu e cujas consequências devastadoras vivemos, debatíamos na PUC/SP sobre os direitos humanos no Brasil. Estariam eles assegurados? Os dias que se seguiram foram de descalabro: ouvimos um congressista homenageando torturador, a nossa primeira presidenta – primeira, pois virão outras! – mulher foi feita alvo das mais misóginas chacotas. Em seu lugar, ocupou a cadeira presidencial um senhor cuja esposa, a primeira-dama, estampou a capa de uma revista com a chamada: “Recatada e do lar”. Se antes tínhamos como exemplo para as futuras gerações uma mulher no posto mais alto da administração pública, em um descuido levamos uma rasteira. O exemplo de mulher voltou a ser aquela que, silenciada na esfera pública, é confinada ao mundo doméstico.

Há que lembrar que os direitos das mulheres foram conquistados com muita luta. Nunca será demais repetir isso. Mulher não podia votar em nosso país até 1932, quando esse direito foi concedido somente para viúvas com renda própria ou mulheres casadas mediante a autorização dos maridos. As restrições caíram em 1934. Levamos mais de 70 anos para ganhar, voto a voto, o direito de ocupar a cadeira presidencial em uma nação composta por 51,03% de mulheres, segundo os dados do IBGE. Seis anos depois, éramos incumbidas a, novamente, nos resumirmos ao âmbito da administração da casa.

Em 1962, não foi mais necessária a autorização do marido para que a mulher casada pudesse abrir conta no banco, trabalhar ou viajar. Pasmem: nos idos de 2017, quando eu estava prestes a viajar sozinha por um longo período, deixando no Brasil companheiro e filhas, a pergunta que mais ouvi era se meu marido me autorizava. A lei ainda não estava internalizada.

Apenas em 1758, mais de 200 anos depois da abertura da primeira escola em nosso país, as mulheres brasileiras de todas as regiões puderam ter acesso à escola. Na universidade, sua entrada foi permitida a partir de 1879; em 1887, pela Faculdade de Medicina da Bahia, temos a primeira mulher a formar-se em medicina. De acordo com o Censo da Educação Superior de 2016, as mulheres eram 57,2% dos estudantes matriculados em cursos de graduação. Porém, ainda ocupávamos 45,5% das vagas de professores de curso superior, número que, tendo crescido somente 1% entre 2006 e 2016, se mantém abaixo da equivalência com a porcentagem de mulheres em nossa população.

Há menos de quarenta anos, a Constituição de 1988 declarou a igualdade de gênero e, em 2006, a Lei Maria da Penha estabeleceu que a violência doméstica e intrafamiliar é crime. De 2006, só há 15 anos! Continuamos, entretanto, assistindo às notícias de feminicídios, agressões físicas e psicológicas à mulher. Até quando?

Não sei até quando. Mas sei que a necessária tarefa de contar para as minhas filhas que nenhum de nossos direitos está garantido, que a posição feminina conquistada em nossa sociedade está sempre por um fio, não tem prazo de expiração. A violência que parece apontar nos próximos dias no Afeganistão me alerta de que aqui também devo estar vigilante. Neste final do mês dedicado à igualdade feminina, eu insisto em seguir escrevendo, seguir contando aos leitores e leitoras, às minhas filhas, às minhas netas e netos, àqueles com os quais cruzar, que nossos direitos sempre estão em risco. Contar para não esquecer. Vigiai…

* Psicanalista, doutora em Psicologia Social pela PUC/SP e editora na Aller.

Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de São Paulo em 28 de agosto de 2021.