No dia 23 de abril, o jornal britânico The Guardian publicou um relato de Gary Greenberg, psicoterapeuta e autor de diversos livros, entre eles The Book of Woe: The DSM and the Unmaking of Psychiatry. O relato evidencia o sentimento e as mudanças causadas no tratamento analítico em razão do confinamento instaurado pela pandemia da covid-19. Greenberg, psicoterapeuta há 35 anos, afirma que já está se acostumando a começar seu dia de trabalho ligando o computador e iniciando a sessão de algum paciente. No entanto, até agora, não conseguiu se acostumar com a forma como os rostos dos pacientes e seus ambientes domésticos aparecem nesse simulacro de intimidade.

Um de seus pacientes é “apenas um cara tentando entender sua vida após sua mulher deixá-lo. Eu posso saber tudo sobre sua vida sexual e suas angústias financeiras, mas não que seu sofá é marrom e que sua sala de estar é pintada de azul celeste. Parece meio indecente ver isso. Uma coisa é penetrar no sentido oculto de suas palavras — no fim das contas, é para isso que sou pago —, e outra coisa é ter o vislumbre de algo apenas porque é onde o wi-fi melhor se conecta. Posso perguntar-lhe o que significa as estantes sobre o sofá estarem vazias? Seria essa pergunta um sinal de amor ou apenas impertinência?”

O autor também observa que fazer a sessão on-line lhe permite ver seu próprio rosto na tela, ainda que em miniatura em relação ao do paciente. “Percebo que não tenho a menor ideia de como aparento [durante a sessão], e estou muito interessado em descobrir isso. Dou um clique para esconder a visão de meu próprio rosto na minha tela.” Apesar de ambos, analista e paciente, estarem focados um no rosto do outro, Greenberg sente falta do momento em que se olham e percebem, sem dizer, “quão rara e preciosa é essa intimidade estabelecida através do acordo (de novo sem dizer em voz alta) da honestidade mútua e suas consequências”. Porém, “num momento em que precisamos tanto uns dos outros, atacados não pela natureza humana, mas pela própria natureza, o melhor que podemos fazer para cuidar uns dos outros é manter distância uns dos outros”.

Greenberg constatou ainda uma mudança em alguns pacientes: aqueles que não conseguiam falar sobre determinados temas porque eram traumáticos demais agora conseguem, sem problemas, abordá-los. Suas resistências diminuíram. Certas coisas permanecem, como as reclamações acerca de esposas, filhos e patrões. O autor se pergunta: “Será possível que a tela consiga criar a distância exata para proporcionar uma segurança que minhas palavras e gestos não conseguem? Será que inadvertidamente encontramos um ponto exato entre o descolamento da vida cotidiana e a câmara de nuvem da terapia cara a cara? Ou será que as pessoas estão tão doentes e cansadas de estarem presas com a família ou sozinhas que acabam transbordando com a vontade de falar com alguém diferente em qualquer oportunidade?”

Mesmo assim, Greenberg afirma que a questão mais imediata é dirigida a si próprio, uma vez que está na dúvida sobre o que fazer diante de alguém que está no meio da atual crise. Antes do confinamento, encarava ser terapeuta como estar alguns passos adiante do paciente, como um veterano que conduz um novato. Mas isso ruiu. “Eu não tenho sequer ainda um nome para a mistura de emoções — medo e desamparo e desorientação e tristeza e raiva, todas constantemente mudando de intensidade — que sobreveio em pouco mais de um mês e que também tomou conta da minha vida. Estou tão amedrontado quanto meus pacientes, talvez até mais. […] Então não sei o que fazer quando confrontado com os rostos preocupados e perplexos. Estou inventando maneiras de lidar com isso conforme atendo.”

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