Sabe-se mais de uma visão pessimista de Freud sobre a educação, colocando-a na série das profissões impossíveis, ao lado de governar e psicanalisar, do que passagens mais otimistas dele a este respeito. Pretendo hoje aqui trazer a minha visão mais otimista, sem que isso se configure em utopia ou em um grande ideal, pois todo otimismo carrega a sua face pessimista e vice-versa. Diante disso, prefiro adotar uma postura humilde, mas curiosa, para tentar dizer como o meu ofício de analista opera cotidianamente e o que da minha experiência no campo da educação já me fez refletir.

Para começar, e para nos orientar também no campo da ética, nada melhor do que esvaziar qualquer posição narcisista ou militante da psicanálise como se essa portasse uma verdade absoluta a ser aplicada no campo educacional e, também, num âmbito mais geral, nada melhor do que lembrar três outros grandes abalos que a humanidade sofreu no seu narcisismo.

O primeiro, quando Galileu disse que a terra não era o centro do universo; o segundo, quando Darwin comprovou a seleção natural e desbancou o criacionismo; e, por fim, quando Freud diz que a consciência não é a “senhora” da casa, que ela não nos governa totalmente, pois muitas de nossas ações e escolhas são comandadas por processos inconscientes dos quais nem nos damos conta na nossa vida cotidiana.

O sujeito do inconsciente – esse que não é a mesma coisa dos indivíduos, das pessoas, dos viventes – sabe, sem saber que sabe. Ele é sempre feliz, pois goza até mesmo do sofrimento, por mais paradoxal que isso possa parecer. Mesmo que procurem um analista para tentar dar conta disso que lhes “amarra” a existência, não há garantias que queiram – ou possam – se livrar deste funcionamento. Realmente, só podemos dizer que, no mínimo, a análise o colocou numa dis-posição para analisar minimamente onde ele estava enodado e o analista – com a sua tática, estratégia e política – deixou falar o sujeito, esse sujeito do inconsciente, insisto.

Como esse nó, este sujeito, se formou? No encontro de experiências da linguagem com o corpo desde a mais tenra infância. Freud tenta dizer um pouco sobre esse nó, sobre esse sistema psíquico, comparando-o ao Bloco Mágico,[1] brinquedo infantil, composto de uma folha de acetato sobre uma superfície de cera capaz de receber os estímulos, os traços que ali podem ficar registrados. A folha fina transparente filtra os estímulos vindos de todos os lados, interna e externamente e, mesmo que levantando o papel possamos apagar o que foi registrado, algo muito tênue que é deixado na superfície mais rígida, forma o nosso sistema mnêmico, a nossa memória que, junto com a capacidade de falar, nos faz humanos.

Estes traços vindos do exterior, por vezes, podem deixar marcas muito profundas, marcas indeléveis, difíceis de apagar, que também podem ser chamadas de traumas. Traços, marcas que são importantes na constituição do sujeito – e interessantes de saber como isso se dá pelos que trabalham com a educação – razão pela qual aceitei com satisfação participar em um debate no Diálogos do Lacaneando sobre este tema.

Vejamos os motivos.

Em 1926, Freud escreve para o verbete sobre psicanálise da Enciclopédia Britânica que o “tratamento analítico atua como uma segunda educação, como um corretivo da sua educação enquanto criança”.[2] Encontrar essa afirmação de Freud neste momento de articulação da psicanálise com a educação foi uma grata surpresa, principalmente porque ele as coloca juntas. Entretanto, a vertente que Freud parece apontar com este verbete, e que examinarei aqui, é que alguma coisa opera no processo analítico, no uso da fala sob transferência, modifica algo no sujeito, tal como pode acontecer com uma educação, uma modificação que instaura um antes e um depois – em processos distintos, cabe ressaltar.

Neste curto texto, Freud também diz que “a psicanálise – originada na esfera da medicina – pode ter aplicações em outros setores do conhecimento tais como: a antropologia, o estudo da religião, a história literária e a educação”.[3] Não me parece que ele esteja querendo dizer que a proposta seja a de “aplicar um tratamento”, uma técnica a ser divulgada para aqueles que sofrem na escola com entraves na aprendizagem ou questões de indisciplina, menos ainda fazer diagnósticos de dislexia ou de TDAH, para citar alguns. Mas o pertinente desta “aplicação”, a meu ver, é a transmissão de uma ética que pode orientar o psicanalista e os demais personagens que atuam no campo da educação. Para isso, não basta que se transmita algo SOBRE a psicanálise, mas que se transmita algo A PARTIR da psicanálise em intersecção com outros saberes igualmente válidos. O que os analistas sabem e podem transmitir, então, aos que trabalham com a educação?

Sabe-se que a natureza e a qualidade das relações da criança com os outros se firmam nos seus seis primeiros anos e que seus relacionamentos posteriores arcam com essa espécie de herança emocional, nosso “bloco mágico”. Também se sabe que para as demais pessoas transferimos esta herança. Os professores são os primeiros herdeiros fora do ambiente familiar. Essas relações, desde as primeiras, são cercadas de ambivalência. Para expressá-la, Lacan cria, em seu seminário Mais ainda,[4] um neologismo: “amódio”, ou seja, se as crianças pudessem dizer, falariam: este ser que me alimenta e cuida de mim é o mesmo que cerceia a minha liberdade, frustra os meus desejos e por isso nutro por ele um sentimento de amor e ódio, ou mesmo, “este que por um tempo foi colocado no lugar de ideal a ser seguido, tudo que eu gostaria de ser, não é tudo isso”.

Além disto, a estes sentimentos ambivalentes e essas decepções com os seres amados, se junta outro problema que dificulta o processo de alienação. Encontramos atualmente muitas crianças frequentando prematuramente creches, muito antes de se DES-envolverem, portanto, antes dos dois anos. Prematuramente, elas saem do ambiente doméstico, conhecido, que as ENVOLVE, de maneira fundamental e estruturante, para serem tratadas muitas vezes “em série”, entre muitos outros.

Chamo atenção para essa curiosa partícula DES, que coloca ao avesso o sentido da palavra, material de reviramento de sentido com que operamos nas análises para promover aberturas. O que antes era tomado por uma ideia de progresso apenas, DESENVOLVER, progressão, evolução, muda totalmente a perspectiva quando fazemos a separação, tal como LIGA e DES-LIGA.

Lembremos o texto de Freud O significado antitético das palavras primitivas.[5] Nele, Freud escreve sobre um ensaio filológico e ali já nos aponta caminhos que Lacan acabará seguindo: “A relatividade essencial de todo conhecimento, pensamento ou consciência, não se pode mostrar a não ser pela linguagem”.[6] Viu-se neste artigo, que na língua egípcia e no próprio alemão existem várias palavras com significados opostos, por exemplo, a mesma palavra para FORTE e FRACO, uma outra para LUZ e ESCURIDÃO, o que me faz lembrar da música: “Não existiria som se não fosse o silêncio, Não haveria luz, não fosse …”[7]

Voltemos ao radical DES: APEGO/DES-APEGO, ENVOLVER/DES-ENVOLVER.

O pediatra José Martins Filho fala numa entrevista para o Instituto Alana[8] da importância dos 1000 primeiros dias de uma criança – nove meses de gestação mais os dois primeiros anos. Ele nos ensina que nestes dois primeiros anos, as crianças triplicam o tamanho do cérebro, aprendem 900 palavras, desenvolvem o sistema imunológico e crescem 2 cm por mês. Ele diz também que, para que isso aconteça bem, ela depende de uma pessoa. Por essa razão, defende a necessidade de uma longa licença maternidade até o momento em que a criança possa sair deste ENVOLVIMENTO e não mais depender tanto desta pessoa.

Ele fundamenta seu argumento trazendo dados que comprovam que crianças privadas de afeto neste primeiro período têm tendências a praticar atos mais violentos, podem ter mais dificuldades cognitivas, de socialização etc. Entretanto, ele também adverte que não basta “parir” essa criança e terceirizá-la para que alguém promova essas necessidades básicas. Os pais precisam adotá-la e serem adotados por ela. O modo como ela foi desejada – quando “ainda não era nada” – se mantém por longo tempo em suas vidas e aqui começam muitas das confusões e equívocos. Deixo os 1000 dias bem fundamentados pela pediatria, para seguir a trilha subjetiva das milhões de confusões e equívocos que advêm neste mesmo período e muito além dele.

Encontros de duas línguas, a língua materna com a alíngua, essa confusão de sons e balbucios sem sentidos dos primeiros meses. No encontro desta palavra com o corpo, algo se esboça, cria-se uma materialidade – moterialism  ou palavrismo, que nós chamamos de inconsciente, unbewusste, ou equívoco.[9]

Não é à toa que perguntamos “qual a sua língua materna?”, pois ela é transferida pela mãe, e, por ela, muitos equívocos se transmitem. Vejamos um simples: “ele(a) chora, logo tem fome”. Quem disse? “O que parece verdadeiro nem sempre é verdade”.[10] Não só isso, no modo como alíngua foi falada e a particularidade com que ela foi ouvida, “no eco do oco” cada um ouve o que pode. Como ilustra Lacan em Função e campo da fala e da linguagem[11] com o primeiro Brahmana da quinta lição do Bhrad-aranyaka Upanishad, ou seja, ao demandar que o Prajapati fale, cada um dos presentes ouve o que quer ou o que pode. Para a mesma palavra “Da” os devas ouviram “submissão”; os homens “dom” e os assuras ouviram “perdão”.

Isso posto, podemos dizer que não há garantias ou profilaxia, pois inevitavelmente este ENVOLVIMENTO, necessário certamente, os primeiros 1000 dias, será sempre faltoso; mas, que uma coisa seja dita, é importante que haja envolvimento, para que depois possa haver separação, há que se DES-ENVOLVER, mas não sem antes ter se alienado, se embaraçado, se confundido, com este outro materno.[12] Importante ressaltar do exemplo dado acima, retirado de Função e campo, que mesmo obtendo escutas distintas dos devas, homens e assuras, o Prajapati responde para as três distintas interpretações “Vos me ouvistes”.[13]

Outro ponto importante a se destacar é que este a quem se precisa alienar ocupa um lugar de Outro, é para o humano, um Bem-supremo, que é interditado, e que gera outros sentimentos de hostilidade, de agressividade, ponto extremamente importante na qualidade da relação das crianças com outros no social. O que acontece aqui? Amamos alguns, que colocamos para dentro do nosso círculo, e rechaçamos, humilhamos, depreciamos os que não se incluem nele, os que não estão no grupo dos “parecidos”.[14]

Não é à toa que a religião criou os mandamentos de amor ao próximo – amar este outro, qualquer outro, parecido ou não –, tal como você ama a si mesmo. Não houvesse impulsos agressivos no homem, desejo de matar, roubar, não haveria necessidade de se criarem leis. Mas não é difícil notar que, sejam as leis positivas ou as leis divinas, elas não representam nenhuma garantia de que o ato transgressor não será praticado, até mesmo entre os religiosos. Mais uma vez, nenhuma garantia, e “o pior”, é quando queremos que a justiça resolva todos os nossos problemas.

Neste tipo de relação que se estabelece, de um com outro, numa sociedade que impõe restrições – e dá muito pouco de volta – aumenta o sentimento de culpa, outra face da agressividade, origem do mal-estar, tese freudiana para o mal-estar na civilização. O humano por seus sentimentos hostis, necessariamente cerceados, sabe não estar à altura daquilo que lhe é exigido, pois o embalam, quando ainda está no berço, a utopia e a impotência.[15] Os pais também demasiadamente humanos – que não são “tudo isso”, que não conseguiram realizar todos os seus sonhos, lamentavelmente, despejam cotidianamente pesadas expectativas nos seus filhos, para o bem e para o mal.

Essa educação intensiva para a “não agressividade” ou para a felicidade, com excesso de tarefas para desenvolver competências, está fazendo um mau uso das exigências éticas, está fazendo o jovem supor que todos os outros cumprem facilmente essas exigências e que são virtuosos. Freud faz essa crítica de forma bem-humorada: ao encaminharem os jovens para essa falsa orientação, a educação se comporta como se preparasse pessoas para uma expedição polar com roupas de verão e mapas dos lagos italianos.[16]

Penso que, para ter melhores coordenadas do que os mapas dos lagos italianos, Lacan trabalhou durante um ano no seu seminário[17] a virada ética promovida pela psicanálise. No seu percurso, ele partiu do livro que Aristóteles escreveu ao seu filho, Ética a Nicômaco, passou pelo utilitarismo de Jeremy Bentham, e tantos outros autores, para justificar como a psicanálise promoveu rupturas com a ética antiga.

A ética psicanalítica olha de frente a impotência e a utopia do sujeito falante, visando o impossível de dizer, de falar, o sem sentido. Como estratégia analítica, resta a possibilidade de tentar melhor dizer do sofrimento, dizer um pouco mais, dizer de outra maneira, pois assim operamos com a incidência do significante no corpo, essas palavras que ficam fermentando na cabeça, aberrações que são ditas por outros ou pensadas por si mesmo que ficam atormentando, enrijecendo, fazendo com que as pessoas criem muralhas ao redor de si para se defenderem dos outros.

Saber disso, desta ética, pode ajudar aqueles que se ocupam de educar, colocando uma dimensão mais possível, mais humilde, com aberturas para o inevitável fracasso. Vejam: “Ordem e progresso”, diz a nossa bandeira. Entretanto, se não fosse um pouquinho de DES-ORDEM, não haveria o progresso. Por isso, ao final deste artigo quero trazer uma experiência bem-sucedida no campo da educação, para demonstrar como nestes últimos 10 anos, “uma água que estava há muito tempo parada começou a se mexer”, diz o narrador de um documentário chamado Projeto Chapada.[18]

Antes disso, gostaria de exemplificar como algumas estratégias psicanalíticas, que funcionam como táticas, efeito surpresa, numa análise, podem abalar esta estrutura da constituição do sujeito, essa MOTerialidade. Evidentemente, que elas não entram aqui como “prescrições” para a educação, pois se assim fosse, perderia completamente o seu efeito e valor. Mas, como eficazes estratégias que comprovam a nossa teoria, a práxis da teoria, tão cara ao nosso método de fazer a psicanálise e a pesquisa neste campo.

Gosto de dizer que se trata de uma ética do “não desejo curar, logo curo”, paradoxal, mas constatável, pois recebemos do outro, desde muito cedo, a mensagem de forma invertida. Difícil de entender, mas que pode ser melhor apreendido com um exemplo.

Uma mãe analiticamente advertida desta inversão e do poder da sua fala, diz ao seu filho que enrolava para fazer a lição de casa: “não quero que você estude! ”, diz tirando o livro das mãos dele. Continua na intervenção: “Você não pode ser mais inteligente que eu! ” O menino desesperado retoma o livro e começa a estudar. Diante de algumas jogadas semelhantes, ele se apercebe da estratégia, e diz intrigado: “Mãe. Não sei o que acontece quando você faz isso, mas funciona! ”.

Jogos, truques que o analista lança mão para agir com a linguagem, seguir a velocidade dela para tentar romper o muro. Nestas idas e vindas, nas quais o analista exercita a prosódia, desconstrói palavras e certezas, tais como “a escola pública no Brasil é ruim”, podendo fazer com que o CERTO vire FALSO, tal como demonstra sutilmente uma poesia concreta de Augusto de Campos, CERTO, CURTO, FURTO, FARTO, FALSO, alterando uma letra por vez, o certo vira falso, pela fala algumas mudanças neste trilhamento mnêmico, nesta confusa rede de significantes, vão se operando.

Nesta trilha de significantes que sigo, mais do que me opor aos avanços da neurociência, vou me aproximando deles pois, os neurocientistas sérios sabem que Freud atirava no que via e às vezes acertava no que não podia ver, pois, “faltava-lhe a mira telescópica da biologia molecular” disse Ribeiro em artigo na Folha de São Paulo.[19] Um deles é Eric Kandel, ex-psicanalista, nascido em Viena, alguém que recebeu o prêmio Nobel de Fisiologia, que constatou que as percepções conscientes e inconscientes atuam nas redes neuronais,[20] comprovando as primeiras articulações teóricas de Freud no Projeto para uma psicologia cientifica. [21]

Uma curiosidade: o que levou Kandel a pesquisar sobre a formação da memória? Ele ficava intrigado sem saber o motivo pelo qual uma imagem, um som, não lhe saía da lembrança, provocando profunda tristeza, mesmo tendo tido uma vida relativamente boa no país para onde a sua família emigrou quando ele tinha apenas nove anos, devido ao antissemitismo. O som das botas da Gestapo, ao invadir a sua casa e obrigar sua família a sair sem nada, operou nele um corte brusco, na felicidade que sentia naquele instante em que brincava com um carrinho azul que acabara de ganhar.

Kandel foi buscar na academia, na pesquisa, uma resposta, conseguiu realizar um belo trabalho e foi premiado por isso. Uma outra pessoa, por situação semelhante, foi procurar uma análise com Lacan. Após muitas voltas e reviravoltas na sua análise, ditos e dizeres, um gesto do analista acompanhado de uma diferente marcação e entonação da palavra GES-TA-PO, em francês, geste à peau, um carinho feito com as mãos, que consegue realizar um deslocamento, uma mudança na carga semântica, que teve por resultado DES-FAZER o sintoma do qual essa mulher padecia.[22]

Escansão, separação, repetição do dito são estratégias analíticas que fazem ouvir diferente. Neste jogo, o TOM também faz toda a diferença. Aqui também, a psicanálise pode modestamente ajudar aos que trabalham com a educação. Quando alguém se coloca num lugar superior, como aquele que sabe, como pais e educadores, os filhos detestam, os alunos ensurdecem. “Eu já te disse mil vezes para não fazer isso”. Essa fala vazia, não escutada, perde a sua dimensão, sua força, seu poder, pois, vem do outro, este que amo/odeio, admiro/invejo/desprezo e tudo mais.

Mais um exemplo. Agora do poder de uma fala. Escutei outrora numa conferência que assisti em Salvador – e jamais esqueci – que Darcy Ribeiro, antropólogo, quando das suas incursões por tribos indígenas, viu um indiozinho se aproximar de uma planta venenosa, mesmo sob o olhar do pai. Intrigado, inquieto, Darcy pergunta: “Mas, você não vai dizer nada?” “Eu já disse”, responde o pai da criança. Uma palavra que tem força, pois, é dita uma vez apenas. Uma lembrança de uma fala que deixou uma marca em mim.

Precisamos entender que as palavras não são as consequências das coisas. São elas que criam as coisas. Nomina num sum consequentia rerum. Dizer assim, é uma aposta. Uma aposta que se pode perder. Aí reside o seu poder. Poder perder, para ganhar. Não desejar curar, para curar. Não é simples, mas é forte. Educar dá trabalho; se não estiver dando, você não está educando. Idem para a psicanálise.

Há que se apostar no poder das palavras e “combinado não é caro”, diz uma amiga de quem gosto muito e que trabalha com educação. Combinado não é caro, é também o que me ensinou um projeto que acontece na Chapada Diamantina na rede municipal de ensino. Eles estão dando um show. “A água parada começa a se movimentar”, como prometi exemplificar. O pessoal envolvido no projeto Chapada está mostrando como implicar e não esperar que o Outro, o poder público, venha com a solução. É o que vemos com a série de 08 documentários de Luis Bolognesi.

Ele, ex-aluno de escola pública, com melodia, inteligência, tenta mostrar como é possível mudar o paradigma de “Escola Pública é ruim”. Para isso, é preciso participar, sem esperar o poder público. Ele, inteligentemente, fugiu da pegada da denúncia, e lançou luz, iluminou experiências que deram certo.

Vejamos como os protagonistas do Projeto Chapada asseguram que as mudanças políticas não atrapalhem a continuidade dos projetos, “não tem mágica, tem trabalho” dizem. Como?

Num primeiro tempo, diretores competentes, eleitos por meritocracia, se organizam com coordenadores, professores e pais, para traçar metas. Este é um ponto importante. Eles não os chamam apenas para reclamar quando os filhos não estão indo bem. Eles colocam os pais no lugar de decisão sobre o que querem para a escola dos seus filhos.

Num segundo tempo: após combinado e votado o que querem, os diretores convocam uma assembleia e convidam os candidatos a prefeito e vereador. Estes apenas escutam o que a comunidade precisa, o que é necessário dar continuidade, e se comprometem a realizar o que foi combinado, assinando um documento. Por fim, eles confeccionam um banner e colocam na recepção da secretaria de educação. Pronto! Está escrito! A comunidade fica de olho e um deles diz com um sotaque gostoso: “você disse que ia fazer. Umbora!”. Está dito!


Notas:

[1] FREUD, S. (1925). Uma nota sobre o ´Bloco Mágico In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969, vol. 19, p.285-294.

[2] FREUD, S. (1926). Psicanálise. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969, v. XX, p. 307.

[3] Ibid.

[4] LACAN, J. (1972-1973) O seminário, livro 20: Mais ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 201.

[5] FREUD, S. (1910). A significação antitética das palavras primitivas. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969, v. XI, p. 141-148.

[6] Ibid., p. 144.

[7] Música de Lulu Santos. Certas coisas. Álbum: Tudo azul, 1984.

[8] MARTINS FILHO, J.  Os primeiros mil dias da criança. Entrevista concedida ao instituto Alana disponível desde 26/11/2013 em http://www.youtube.com/watch?v=90D56DzIz1Q Acesso em: em 03/10/2017.

[9] Junção da palavra francesa MOT (palavra) com o sufixo ISMO tratado por Lacan em 1975 na Conferência de Genebra sobre o sintoma.

[10]FREUD, S. (1924 [1923]). Carta a Fritz Wittels. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969, vol. 19, p.361.

[11] LACAN, J. (1953) Função e campo da fala e da linguagem. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 323-324.

[12] Todavia, ainda existe um problema maior e às vezes presente em várias classes sociais: quando este outro materno não tem condições estruturais de acolher este pequeno, ou situações graves de alienação parental, que precisariam de outra abordagem, tema de outro texto.

[13] Ibid., p. 324.

[14] FREUD, S. (1927) Futuro de uma ilusão. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969, v. XXI, p.137.

[15] LACAN, J. (1938). Complexos Familiares na formação do indivíduo. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 29-90.

[16] FREUD, S. (1930 [1929]). Mal-estar na civilização. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969, v. XXI, p. 158.

[17] LACAN, J. (1959-1960). O seminário, Livro VII: A ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. 396 p.

[18] BOLOGNESI, L. Educação.com. Projeto Chapada Disponível em: http://g1.globo.com/globo-news/globo-news-especial/videos/t/todos-os-videos/v/veja-a-quinta-parte-da-serie-sobre-educacao-nas-escolas-publicas-do-brasil/3323991/. Acesso em: 3 de abril de 2014.

[19] LEITE, M. I. Males da infância. Folha de São Paulo, São Paulo, 08 de novembro de 2009.

[20] KANDEL, E. Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

[21] FREUD, S. (1895). Projeto para uma psicologia cientifica. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969, v. I, p. 381-511.

[22]MILLER, G. Vídeo: Um encontro com Lacan. https://www.youtube.com/watch?v=S-QtbFaZjmw, 2012. Acessado em 08/10/2017.


Sobre a Autora:

Psicanalista. Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo. Especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Regional de Psicologia. Analista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil/ Fórum São Paulo. Membro Honorário da Associação Científica Campo Psicanalítico – Salvador.

Membro Fundador da Rede de Pesquisa Psicanálise e Saúde Pública e Ensinante em Formações Clínicas do Fórum do Campo Lacaniano São Paulo. Autora de diversos artigos e ministrante do dos seminários: Psicanálise nas Instituições, Psicanalisar e educar, profissões impossíveis, transmissão possível? e Escola-escolhas pelo RSI.

E-mail: silvanapessoa@uol.com.br